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A força que habita em nós:
histórias de mulheres
que sobreviveram
à violência doméstica










A força que habita em nós: histórias de mulheres que sobreviveram à violência doméstica

construindo maria

Havia uma magia indescritível no dia do meu casamento. Agora, me encarando no longo espelho oval, é como se estivesse encarando um retrato do qual o meu passado conversa com o futuro e as lembranças em minha mente são como uma comédia romântica da qual sempre desejei. 

O vestido branco, contrastado com a sombra lilás nos olhos e o tom das folhagens trazem uma névoa nostálgica do meu sonho de menina. Já vejo os convidados, a marcha nupcial, todos os olhos em mim, quando finalmente vou ao encontro de meu amado no altar e juramos votos de uma vida inteira. Olho para o retrato dos meus pais e penso que quero construir uma família semelhante à que fui criada. Não era perfeita, meus pais brigavam muito, mas sempre davam um jeito de superar. Às vezes, via minha mãe chorando escondida no quarto, mas quando perguntava o que havia acontecido, era “apenas cansaço”, ela dizia. Meu pai chegava e dizia apenas que era coisa de mulher, porque ela era sensível demais.

Mas meu pai era um bom pai, principalmente para os meus irmãos. As tarefas da casa sempre eram minhas para que eu aprendesse a ser uma boa esposa assim como minha mãe, porque ele dizia que estava lapidando um tesouro. Sua menininha, sua doce Maria que esperava encontrar alguém tão bom quanto ele.

E funcionou. Eu faço tudo o que meu marido deseja, cedo a todas as suas vontades pelo bem de nosso casamento. 

Família ilustração

Quando recebi uma promoção do meu trabalho, meu marido desconfiou de que eu havia tramado algo, afinal, não me preparei em nada para aquela oportunidade, foi pura sorte. E mesmo preparando uma noite incrível para nós, acabei desistindo da vaga para não gerar desconfianças no meu casamento e poderia dedicar mais tempo à família que estávamos construindo. 

Gostaria de ser tão cuidadosa quanto ele. Certa vez, estava usando um vestido que deixava os ombros de fora e meu marido me cobriu com sua camisa para cuidar de seu bem mais precioso. Naquele dia, ele bebeu um pouco demais e ficou irritado com meu comportamento. Eu disse que estava tudo bem, mas meu marido afirmou que eu nunca entenderia a maldade dos homens. Brigamos naquele dia, mas ele estava certo, o decote era muito grande.

Na primeira discussão acalorada, ele pede desculpas e você acha que aquilo nunca mais vai acontecer de novo. 

Na segunda, ele pede perdão e traz flores. Diz que foi um tremendo idiota ao te empurrar contra a parede e você reconhece que deveria ter deixado as coisas mais claras e que vai se esforçar para compreender os motivos dele. 

Até que ele te dá um tapa na cara.

Quando você se dá conta, aquilo já havia acontecido. Sem reação e humilhada, a força e o choque do golpe te dão um estalo que estimula pensamentos que retomam ao dia do casamento.

Com os olhos marejados e o rosto avermelhado, percebi que o homem com quem me casei poderia ser um monstro. Mas nunca conversamos sobre isso em casa, afinal, eles nunca têm culpa.

das borboletas ao pó

O texto acima é fictício, mas o assunto abordado é extremamente real. A violência acontece de um dia para o outro? Existe uma série de fatores machistas presentes na sociedade que desencadeiam isso? É difícil responder objetivamente essas questões.

Nomeado de ciclo da violência, ele se inicia com uma mãe que foi violentada durante o parto. O pai é tão frio com essa mãe que era possível assistir ela chorando sozinha escondida em um canto. Pode começar dentro das mais variadas crenças, onde ser submissa ao homem se torna um propósito de vida.

Essas violações são tão imperceptíveis que passam pelas vidas das mulheres como uma linha dentro do anzol da agulha. Enquanto isso, a mente da criança que vive nesse ambiente vai sendo moldada com base nessa vivência. Algo opressivo se torna cotidiano, a vida é assim mesmo.

De repente, a menina vira adolescente e está em um relacionamento abusivo sem perceber os sinais. O tempo passa, mais abusos se acumulam. A jovem se torna adulta e se envolve em mais uma relação conturbada. Até dar conta de tudo isso, já sofreu vários traumas.

Essa é a história de Mariane Palhares, ou Mari, como costuma ser chamada, uma sobrevivente da violência doméstica. Uma feminista, agente cultural e professora que, hoje, enxerga todas as camadas sociais e machistas que nublam a visão de uma mulher violentada.

Mariane é natural de São Paulo. Antes de vir para Presidente Prudente (SP), já havia sido, em suas palavras, violentada desde os 15 anos de forma psicológica, verbal e patrimonial. Carregava uma bagagem emocional pesada.

Foi quando chegou no interior para ingressar na faculdade, que viria a conhecer o último parceiro romântico que a violentaria de diversas formas.

“Quando eu estava com dois anos aqui em Presidente Prudente, eu comecei a me relacionar com um rapaz lá da faculdade. E como todo violentador, eles são extremamente sedutores.”

Logo, Mariane começou a observar os primeiros sinais da violência. Um grito, uma subordinação, cenas de ciúmes. Antes de agressão física chegar às vias de fato, acontece muita humilhação. “É uma série de coisas que quando você se dá conta, já está vivendo aquilo há muito tempo. Mas a gente só se toca mesmo no dia em que tem violência física”, declara.

“Você começa a acreditar nas coisas que a pessoa que está te violentando fala. Ele sempre vai te dizer que você é doida e está imaginando, que aquilo não era bem assim, que você está sendo muito neurótica. Você é o problema de tudo e não o violentador.”

“Quando eu comecei a sofrer violência física, o que eu fiz? Me fechei dentro de um casulo, eu não contei absolutamente para ninguém. Não conseguia”. 

Mari pensava: “Como contar para alguém que você sofreu violência? Não dá, são muitas coisas”.

Durante um período de dois anos, Mariane foi vivendo essas violências dia após dia. Tendo crescido em um ambiente evangélico, acreditava que curar este homem de suas próprias perturbações era o propósito de Deus para sua vida. “A religião foi um grande influenciador para essa violência. Mas não era. O plano de Deus era eu morrer? Não era.”

Isso também foi um fator que contribuiu para a Síndrome de Estocolmo que surgiu na vida da vítima.  “Eu tinha uma grande empatia por ele, achava que ele era um pobre coitado por estar fazendo aquilo comigo, que ele precisava da minha ajuda. Eu acreditava que eu tinha que ajudar ele e que ele era uma vítima, coitado.”

“Eu me olhava e eu não me via. Eu não sabia quem eu via. Era uma coisa tão absurda. E eu sempre fui uma pessoa muito feliz.”

A professora ainda destaca que, a partir desse período, encontrou o ato de se defender como uma forma de sobrevivência. “E se eu não tivesse me defendido, hoje, talvez eu não estaria aqui contando essa história para vocês.”

Entre ofensas, agressões, manipulações e xingamentos, Mariane foi levando essa vida penosa até ir abrindo sua mente aos poucos, quando de repente uma chave virou na sua cabeça.

“Eu fui trabalhar para a Polícia Civil. E quando você começa a trabalhar com a polícia, passa a trabalhar com uma coisa que é a questão da segurança.”

Nostálgica, Mariane relembra como foi importante esse trabalho no período mais turbulento de sua vida. Através de livretos sobre violência contra a mulher e conversas com profissionais, ela enxergou claramente o que estava sofrendo e descobriu o significado da Síndrome de Estocolmo. 

“Foram caindo fichas a partir desse momento que eu tive proximidade com isso. Aquilo foi me empoderando, foi me trazendo uma força, uma coisa de ‘Nossa, eu não estou sozinha’”, conta.

A última agressão que Mariane sofreu foi na véspera da Páscoa. 

Violentada e marcada por hematomas, sua única alternativa foi ligar para seu chefe e explicar o que havia acontecido, pois não tinha condições de ir trabalhar com uma agressão estampada em sua face e pescoço.  

Foi aí que a história da professora começou a tomar um rumo diferente. Aconselhada por pessoas que a ajudaram, foi até à delegacia, fez um boletim de ocorrência e entrou com uma ação penal na Lei Maria da Penha. Sua sensação foi de alívio, foi de: “Meu Deus, que bom que eu saí disso”, mas quem dera esse fosse o final da história.

A perseguição, que continuou mesmo após Mariane mudar de residência e não relatar seu endereço para ele, durou um ano, até o surgimento de um novo parceiro. “Ele simplesmente armou a maior confusão”, narra.

O agressor, obsessivo, descobriu o novo endereço da vítima. Indignado e manipulador, começou a ofendê-la de todas as formas e inventar que havia sido traído. O violentador até mesmo teve a capacidade de inverter os papéis da história,
dizendo que ele era agredido pela vítima, como uma tentativa de também tentar manipular as pessoas do meio de convivência dele e de Mariane. “Ele começou a falar muito mal de mim, que, na verdade, eu que era violenta.”

Abordava os amigos de Mariane e dizia que o que havia ocorrido entre eles não ia acontecer mais. “Ele ficava me esperando na esquina e toda vez que eu chegava queria conversar”, relata.

Depois de tanto tempo de agressões, Mariane ainda teve que lidar com essa perseguição, que é mais uma forma de violência contra a mulher. A situação perdurou até o agressor se cansar e sumir de vista.

“Ele começou a me perseguir, falava para as pessoas que ele me amava, que não sabia o que tinha acontecido.”

“Em nome de nossas antepassadas diretas ou não, nos tornamos feministas porque houve mulheres que foram duramente oprimidas, mas também porque no passado existiram lutadoras incomuns, pessoas que se tornaram exemplos, mulheres a quem devemos o nosso lugar.” - Trecho do livro Feminismo em comum: Para todas, todes e todos de Marcia Tiburi (Foto: Lorrayne Rosseti)

Infância destruída

A violência doméstica surgiu precocemente na vida de Cida Santos, quando ela era apenas uma criança. Tudo aconteceu em um local que era para ser seu porto seguro, mas acabou sendo seu maior pesadelo: a sua própria casa. Enquanto outras crianças viviam uma vida normal e tranquila, Cida aprendia a se defender desde muito cedo do seu próprio pai, o agressor. Confira essa história no vídeo abaixo.

Primeiros sinais

A psicóloga Luciana de Paula explica que um dos primeiros sinais que o violentador apresenta é o desejo de possuir controle pela mulher. Atitudes como reclamar da vestimenta, exigir satisfações sobre o horário que a vítima sai e retorna para casa, são alguns exemplos. “Ficar cobrando a mulher por mensagem: ‘Por que você não me respondeu? Por que você demorou?”, relata.

Esses gestos podem ser confundidos pela vítima com excesso de cuidado. Porém, as atitudes demonstram a necessidade que o agressor tem de possuir domínio sobre a vida da vítima.

Um comportamento característico que os agressores também apresentam é pular várias etapas do relacionamento. “Temos que desconfiar daqueles que já querem morar junto e fazer planos e mais planos.” Isso é mais um sinal de alerta.

Psicóloga explica sobre os sinais de alerta que devem ser observados no início de um relacionamento (Foto: Lorrayne Rosseti)

“E lá na frente as máscaras caem, mas quando eles observam que a vítima já está envolvida emocionalmente, é quando eles podem escancarar e mostrar realmente quem eles são, porque dificilmente a mulher vai conseguir sair, porque já está envolvida emocionalmente, né?”

Luciana expõe que é muito difícil para a vítima identificar e aceitar que vive em um relacionamento abusivo. “Ainda se fala muito no amor romântico, aquele dos filmes.” Ao ser criada e educada para viver essa bela história de amor idealizada pela sociedade, aceitar a realidade vivida se torna uma dificuldade.

Luciana ainda explica que aceitar determinadas situações abusivas dentro da relação para viver uma história de “amor”, só serve como uma forma de controle. “Muitas vezes essa mulher está presa em uma relação baseada na fantasia de que algo pode ser melhor, de que pode mudar.”

Identidade perdida

 Ao ser violentada, a mulher acaba perdendo sua identidade, apresenta dificuldades nos relacionamentos interpessoais e baixo rendimento no trabalho. Se outrora era uma pessoa extrovertida, acaba se calando. Muda seu comportamento e hábitos.

Para de sair de casa, não realiza mais atividades que antes eram consideradas prazerosas para si mesma e se isola dos demais. Não consegue sair do relacionamento por uma série de medos e inseguranças. Teme o futuro, o que o agressor pode fazer, como irá se sustentar financeiramente sozinha. Em casos extremos, a mulher teme a morte. “Então, o medo faz com que essa pessoa muitas vezes acredite que é melhor ficar do que sair, que é um sofrimento que é conhecido”, relata a psicóloga.

A mulher começa a viver no meio desse sofrimento pisando em ovos. Sem apoio nessa situação, a dificuldade de romper o relacionamento se duplica.

Chantagem emocional

Os relacionamentos tóxicos podem surgir das mais diversas situações. A história de violência psicológica e patrimonial da estudante Ana (nome fictício), que optou por não se identificar, surgiu ao conhecer um pretendente em um aplicativo de relacionamentos.

No começo de uma tarde ensolarada, Ana abriu seu coração ao compartilhar os momentos sombrios que viveu durante sete meses. “No começo ele era bonzinho, fiquei com aquela paixão enorme, apesar da gente não chegar de fato a namorar.” 

Como é característico dos relacionamentos problemáticos, a postura de bom moço não conseguiu ser sustentada por muito tempo.

A violência se iniciou quando o rapaz perdeu o emprego e começou a mostrar a verdadeira face de sua personalidade. Respirando fundo, a estudante relata a violação patrimonial sofrida. “Ele disse que não tinha dinheiro e eu comecei a ajudar ele, inclusive, até fiz uma dívida muito grande.” Comovida, ela diz ter emprestado todo o dinheiro que o homem precisava, com a condição que ele a pagasse em breve, mas ele nunca o fez.

Com o olhar nublado pelas lembranças desagradáveis, a jovem explica que essa situação perdurou até o final, traçando um paralelo com a chantagem emocional que o agressor praticava. Ao perceber que estava sendo iludida e enganada, Ana decidiu pôr um fim na relação.

“Se eu não estou conseguindo mais te ajudar então é melhor pararmos de nos falar”, Ana teria dito em um dos encontros com o agressor.

“Se parar de falar comigo, eu me mato”, ele teria respondido.

Amedrontada, Ana decidiu continuar o relacionamento com a melhor das intenções: ajudar ele a superar essa fase difícil de sua vida. 

Porém, essa tensa situação emocional a fez chegar no fundo do poço.

“Eu pensei: ‘Meu Deus, eu estou ruim e ele está passando mal, não posso parar de falar com ele, mas também não tenho a bagagem emocional necessária para ajudá-lo e nem consigo me ajudar’”.

No meio do avalanche de emoções conflitantes, a jovem ainda acreditou que era a culpada por tudo de ruim que acontecia na vida do violentador, relatando que teve a impressão de que tudo estava bem antes de conhecê-lo e foi só ela aparecer em sua vida que uma série de catástrofes se sucederam.

Entre chantagens, calotes e pressões, a jovem já havia atingido o máximo que conseguia aguentar e decidiu seguir em frente, quando mais ameaças psicológicas surgiram. 

“É, me deixa mesmo, eu vou me matar. Pode ir procurar outra pessoa, pode me deixar aqui mesmo, abandonado”, relembra Ana.

Ao ouvir isso, ela entrava em desespero e caía em prantos. Sentia muita dor ao presenciar uma pessoa pela qual estava apaixonada pensar em algo assim. Tudo isso deixava a estudante confusa, porque ela pensava “ele não quer namorar comigo, mas não me deixa ir, eu já não aguento mais.” 

Até que, determinada, esgotada e exausta, decidiu dar um basta e pôs um fim em tudo. O agressor, por sua vez, disse que aceitava o rompimento. Porém, esse não foi o fim da problemática relação.

Tensa, Ana relembra os momentos perturbadores que viveu (Foto: Lorrayne Rosseti)

Perseguição

Em um fatídico dia, enquanto Ana passeava no shopping com seus amigos, avistou o agressor e notou que ele a estava seguindo. Assustada e com o sistema de alerta ligado, percebeu que ele estava ligando para ela sem parar. Até aquele momento, a jovem nunca havia comentado com os amigos sobre os problemas da relação.

“Quando a gente tá sofrendo esse tipo de coisa, até evita falar para os amigos, né?” Porém, se sentindo perseguida e com o sentimento de medo e desespero, decidiu pedir ajuda e contar tudo.

Os amigos, preocupados, alertaram Ana sobre a violência que o agressor estava praticando contra ela e a aconselharam a se distanciar completamente dele. “Fomos para fora do shopping e ele foi atrás, então continuamos andando para despistar ele, mas foi um dia muito maluco.”

Assim que já tinha caminhado bastante para longe do agressor e se sentiu fora de perigo, ela pegou o celular com as mãos trêmulas e digitou a seguinte mensagem:
“Você me deixou muito tensa e eu nunca mais quero te ver.”

Depois que o recado foi enviado, a jovem não obteve nenhuma resposta e nunca mais teve notícias do agressor, porém, como toda história traumática tem suas sequelas, Ana ainda demorou para processar seus sentimentos e superar a situação. A sensação de culpa e medo se fizeram presente em sua vida durante um tempo. “Fiquei pensando que se eu tivesse feito algo diferente, ele poderia ter melhorado, mas hoje em dia não me afeta mais, não.”

Naquela época, a jovem não havia percebido que além de toda a violência psicológica e patrimonial sofridas, a perseguição foi mais uma forma que o agressor encontrou para tentar exercer controle sobre ela. Felizmente, dessa vez ele não conseguiu.

Números da violência em Presidente Prudente

Os números de boletins de ocorrência relacionados à violência contra a mulher registrados em Presidente Prudente aumentam a cada ano.

Segundo dados do Fala SP e da Delegacia da Mulher de Presidente Prudente (DDM), é possível notar um aumento dos registros de boletins de ocorrência relacionados à violência contra a mulher durante o período de 2022 a 2024.

No ano de 2023, foi registrado um aumento de 11,68% em comparação a 2022, somando 6,89% de crescimento. Os números de denúncias saltaram 6,90%.

Em 2024, ao analisar o período de janeiro a julho, nota-se um aumento de 2,38% nos boletins de ocorrência e de 30,22% nas denúncias realizadas no município, quando comparado aos mesmos meses de 2023.

Com base no crescimento de registros de boletins de ocorrência e denúncias dos últimos anos, a tendência é que os números continuem aumentando conforme demonstra o gráfico abaixo.

A seguir, o mapa apresenta dados sobre os números de feminicídio nos estados do Brasil entre 2018 a 2022.

As cores em tons verdes representam os estados em que as estatísticas do crime contra a mulher diminuíram. Acre, Roraima, Pará e Rio Grande do Norte, em verde escuro, são os estados que mais registraram diminuição dos casos. Por outro lado, os estados coloridos em roxo, seguidos do lilás, representam os estados onde houve crescimento do feminicídio. Os estados mais críticos se localizam no norte, com Amazonas, Amapá e Rondônia liderando os crimes de feminicídio no país.

O estado de São Paulo, por sua vez, reduziu vagamente as estatísticas de feminicídio, porém ainda encontra-se longe de uma diminuição significativa em comparação aos estados coloridos em verde escuro, que foram os que mais apontaram queda nas estatísticas relacionadas ao feminicídio.

De acordo com o Fala SP em Presidente Prudente, foram registrados três casos de feminicídio no ano de 2023. Até o momento da finalização desta reportagem, constam duas mortes por feminicídios no ano de 2024.

SIMON, Carolina Russo. Rompendo o silêncio e o anonimato: o feminicídio como fenômeno geográfico. 2024. 396p. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Presidente Prudente, 2023

Serviço público

Muitas das mulheres violentadas pelo cônjuge se sentem perdidas na hora de romper essa relação.

Mas quais medidas tomar? Ela deve entrar em contato com qual profissional? E se não possuir condições financeiras para contratar um advogado? Essas costumam ser as principais perguntas que se passaram na cabeça das entrevistadas.

A Defensoria Pública de Presidente Prudente possui defensores capacitados para lidar com a situação e prestar serviços jurídicos à vítima. Giovana Devito, uma das defensoras públicas do espaço, explica que, ao contrário dos demais cidadãos, que precisam apresentar o critério de possuir renda familiar de três salários mínimos mensais para serem atendidos, para mulheres em situação de violência doméstica, essa regra pode ser flexibilizada.

“É possível, considerando cada caso concreto, observar essa vulnerabilidade e a gente fazer o atendimento independente desse critério de renda de renda, né? Portanto, essa vulnerabilidade é possível de ser verificada em cada caso.”

“Um boletim de ocorrência é importante, porque é a partir dele que você está fazendo uma denúncia de crimes, vai ter uma repercussão criminal.”

Atendimento da Defensoria Pública

De acordo com Giovana, os agendamentos para atendimento na Defensoria podem ser realizados de forma on-line e presencial. Ao relatar o caso para o defensor público, a vítima é atendida juridicamente de acordo com diretrizes que prezam pelo acolhimento.

“Em primeiro lugar, vem o acolhimento, em segundo lugar, as orientações sobre os seus direitos”, garante a defensora pública. O mesmo vale sobre a possibilidade de realizar um boletim de ocorrência caso ainda não tenha sido feito, esclarece Giovana.

A Lei Maria da Penha direciona a necessidade do conhecimento da atuação policial sobre a ocorrência, a fim de tomar as providências legais cabíveis. Também é possível realizar o pedido de medida protetiva contra o agressor. 

A medida protetiva é endereçada pela Delegacia da Mulher (DDM) à vara criminal de Presidente Prudente.

Em conjunto, são tratadas pela Defensoria as orientações sobre os direitos da mulher, como ação de divórcio e reconhecimento de solução de união estável, com a finalidade de regular todas as questões decorrentes da ruptura da relação.

Nervosismo

A violência física não é um ato isolado, ela carrega uma série de pequenas violações psicológicas durante o cotidiano do casal. Para Maria (nome fictício), que preferiu não se identificar, no início, muitas dessas agressões do dia a dia são tão sutis que passam despercebidas.

Durante muitos momentos, ela tinha a sensação de que algo não estava certo em seu relacionamento, mas era apenas uma percepção tão leve como o sopro de um vento.

“Por exemplo, toda hora ele me fazia parecer estar errada. Não é que eu queria estar certa toda hora, mas você sabe quando a pessoa costura e molda para você parecer errada e ainda acreditar nisso”, relata.

O agressor, que era mascarado de uma aparência gentil, educada, atlética, do tipo que sempre pedia licença, abria portas para os outros e carregava sacolas, a violentou psicologicamente durante um ano. Com a habilidade de um manipulador, o agressor sabia como machucar a jovem e mantê-la junto dele ao mesmo tempo.

“Ele me apresentou algo que eu sentia que precisava para minha vida, que era perder peso”, conta Maria.

O violentador entrelaçou o desejo de emagrecer que ela tinha com a sua profissão de educador físico, mostrando-se útil na vida da vítima.

“Ele sabia exatamente o caminho de me induzir a perder peso e fazer funcionar. Foi quando ele fez com que eu olhasse apenas para isso.”

Assim como um jogo de xadrez, o agressor moveu as peças certas para transformar uma insegurança de Maria em um gancho para a violência.

Identificação

“Quando eu notei que havia algo errado? Na casa da mãe dele, pela forma que ele tratava ela.” 

Como a aparência de bom rapaz só conseguia ser sustentada fora de casa, a jovem relatou que assim como ela, o agressor fazia a própria mãe parecer também uma pessoa ruim. Isso ativou um alerta em sua mente. 

Tendo vindo de uma família com histórico de agressões contra mulheres, hoje, Maria percebe que as memórias do seu ambiente familiar contribuíram para que ela não possuísse um filtro de defesa contra a violência, dificultando a identificação do ato.

Por isso, Maria não podia imaginar que alguém com hábitos saudáveis, o oposto de um alcoólatra, pudesse ser um violentador. Em breve ela viria a descobrir.

Agressão corporal e negligência

Em um domingo que parecia corriqueiro como todos os outros, Maria não imaginou que vivenciaria momentos aterrorizantes de dor, desespero e luta pela sua própria sobrevivência. Também não imaginou que seria agredida fisicamente, de forma brutal, apenas por discordar de algo que o agressor disse. Mas foi o que, infelizmente, aconteceu.

A agressão durou cerca de 50 minutos, até Maria conseguir pegar o celular, encontrar o contato de sua irmã e ligar pedindo socorro. A irmã, por sua vez, não estava na mesma cidade, mas, juntamente com a filha, acionou a polícia, que apareceu lá em torno de 15 minutos depois.

Machucada, sangrando e agredida tanto por fora, como por dentro, a jovem acreditou que a polícia poderia ajudá-la a resolver sua situação. Mas ela descreveu que não foi o que aconteceu. 

Ao perceberem que Maria se encontrava desorientada, os policiais se dirigiram até a vítima para conversar com ela.

“Você faz uso de remédios controlados?”, foi o que perguntaram. 

Atordoada, Maria respondeu que sim, sem entender muito bem o questionamento. O agressor, por sua vez, ficou murcho em um canto, quieto diante da presença policial.

“O que você quer fazer?”, questionaram os policiais.

“Quero ir embora,” respondeu a vítima, desorientada.

Então, os policiais aconselharam que Maria fosse para a casa de seus familiares, entraram na viatura e partiram rumo a um destino conhecido só por eles, desperdiçando a chance de prender o agressor em flagrante.

“Eu estava machucada, debilitada, eu estava com sangue. Ambos os dois tinham sinal de sangue e só porque eu disse, a polícia foi embora”, relembrou, indignada.

Depois disso, Maria foi auxiliada por uma familiar que a levou até o plantão da delegacia da Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência.

No dia seguinte, a vítima realizou um exame de corpo de delito, onde revelou que o médico não a examinou corretamente.

“Não avaliou se eu estava sentindo alguma dor no corpo. Só porque, aparentemente eu não tinha grandes marcas, era como se fosse algo nulo.” Segundo Maria, o médico, então, assinou um papel e encerrou a consulta.

“Depois disso, eu fui para minha cidade natal, para a casa da minha mãe. Lá eu comecei a pensar e a processar melhor as coisas. E pensei: preciso colocar novas coisas no boletim, então vou na delegacia de novo, só que na DDM dessa cidade’”.

Esse foi mais um episódio desagradável relatado por Maria. 

Ao chegar na delegacia, o escrivão da Polícia Civil declarou à vítima que não era possível editar seu B.O. Seria necessário ela ir até a cidade onde o registro havia sido feito.

Maria, depois de muito pelejar e conseguir convencer o escrivão, teve por fim seu boletim de ocorrência editado. “Uma das piores coisas é você saber que as coisas não funcionam por parte das próprias pessoas que estão à frente disso, por falta de vontade. Ou até mesmo por, sei lá, falta de empatia mesmo. A agressão é todo um contexto que começa com o agressor e acaba terminando com o sistema, que continua te agredindo”, declara.

Depois do aterrorizante acontecimento, Maria nunca mais viu o agressor. 

Acabou descobrindo que antes dela, ele já havia violentado fisicamente outra mulher e que tinha antecedentes criminais por isso. Exausta da situação, Maria encerrou o processo judicial por não se sentir bem psicologicamente em reviver o caso.

De acordo com Denise Simonato, delegada da DDM, os policiais realizam capacitação para atuar em casos de violência doméstica no curso de formação na Academia de Polícia, além de cursos de aperfeiçoamento ao longo da carreira. Em relação ao Boletim de Ocorrência, Denise explica que o Sistema de Polícia Judiciária (SPJ), sistema eletrônico onde são realizados os Boletins de Ocorrência, permite que sejam realizadas edições posteriores à inicial.
A delegada ainda orienta que caso a vítima se sinta lesada por algum servidor público, existe a possibilidade de comunicar seu superior e realizar uma reclamação na Ouvidoria. A reclamação pode ser feita pessoalmente, através do telefone 0800-017 70 70, e pela internet, por meio do site www.ssp.sp.gov.br/Ouvidoria ou através do e-mail ouvidoriadapolicia@sp.gov.br.
De acordo com Denise Simonato, delegada da DDM, os policiais realizam capacitação para atuar em casos de violência doméstica no curso de formação na Academia de Polícia, bem como ao longo da carreira, em cursos de aperfeiçoamento. Em relação ao Boletim de Ocorrência, Denise explica que o Sistema de Polícia Judiciária (SPJ), sistema eletrônico onde são realizados os Boletins de Ocorrência, permite que sejam realizadas edições posteriores à inicial. “As edições acrescentam alguma informação faltante ou retificam algum dado inserido de forma equivocada. O número de registro é mantido”, esclarece. A delegada ainda orienta que caso a vítima se sinta lesada por algum servidor público, existe a possibilidade de comunicar seu superior e realizar uma reclamação na Ouvidoria “Quando receber as informações, a Ouvidoria, caso verifique uma conduta ilícita por parte do servidor ou alguma infração administrativa, as encaminhará para a Corregedoria correspondente”, esclarece. A denúncia à Ouvidoria pode ser feita pessoalmente, através do telefone 0800-017 70 70, e pela internet, por meio do site www.ssp.sp.gov.br/Ouvidoria ou através do e-mail ouvidoriadapolicia@sp.gov.br.

Atendimento humanizado

A advogada Aline Escarelli enxerga a violência contra a mulher como um problema epidêmico, em razão do grande número de aumentos e da pouca disposição das medidas públicas para enfrentar a causa. Ao receber uma cliente que foi vítima de violência, a advogada fala sobre a importância do atendimento humanizado, que parte dos atos de escutar, observar e conectar todos os serviços cabíveis ao caso.

“A importância de ter uma advocacia especializada no andamento do processo é discutir com o promotor e dialogar com o judiciário para não ter risco de lesão corporal e morte.”

Aline ainda orienta as clientes a respeito das medidas que podem ser tomadas, e tem o cuidado de, principalmente, observar se a vítima se encontra em alguma situação de risco. “É necessário sanar se tem a necessidade de buscar um serviço mais específico, como de saúde ou da própria rede, como um serviço de proteção integral que cabe ao poder público.”

A importância da advocacia no caso de violência doméstica é na defesa da vítima. Desde a produção de provas, orientações a respeito de pedido de alimentos e fazer um diálogo com a promotoria a fim de alicerçar ainda mais a proteção da mulher e até mesmo, regularizar a guarda, no caso de filhos, são funções dos advogados. Cabe ainda a este profissional defender a vítima e buscar medidas de proteção perante o poder público.

Aline ainda explica que as vítimas de violência doméstica podem procurar a advocacia especializada em diferentes situações. “Pode ser que elas busquem quando imaginam que o processo está demorando, ou procurem para tirar dúvidas antes de fazer a denúncia e depois que se orientam, fazem a denúncia. Ou nos procuram
depois que denunciam para ter o acompanhamento e assessoria da advocacia.”

Sala Lilás

A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) foi criada em 1985 para direcionar o atendimento de mulheres, crianças e adolescentes que foram vítimas de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. Nelas, são realizados os registros de boletins de ocorrências, solicitação de medidas protetivas e apuração de crimes.

Entretanto, em Presidente Prudente, a DDM funciona somente de segunda à sexta-feiras, em horário comercial, das 7h às 19h, não havendo um atendimento 24 horas. 

De acordo com a advogada Aline Escarelli, como uma forma de permanecer com este atendimento humanizado durante o período noturno e nos fins de semana, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) criou a “Sala Lilás” como uma forma de continuar garantindo os atendimentos humanizados.

A sala recebe a cor lilás, tem uma decoração específica e com brinquedos. Conforme a Polícia Civil, a cor e os itens que devem promover a sensação de conforto e proteção.

Em Presidente Prudente há duas unidades, uma na DDM, que funciona durante o horário de atendimento comercial, que também conta com um espaço de brinquedoteca para acolher as crianças que acompanham as mães durante os depoimentos. E outra na Delegacia Seccional da Polícia Civil, que funciona durante os plantões, localizada na Rua Doutor Gurgel, nº 720, no Centro. 

Na Delegacia Seccional, a vítima pode optar por dois tipos de atendimento. No primeiro, ela retira uma senha e é atendida por policiais que estão atuando no plantão. Ou, caso opte pela Sala Lilás, um agente policial a acompanhará até a sala para o atendimento remoto.

Os atendimentos remotos ocorrem em um local reservado para acolher mulheres, crianças e adolescentes, tendo em vista que também conta com um cantinho com brinquedos. Na sala, as vítimas são auxiliadas por uma delegada e uma escrivã, através de uma plataforma on-line, na elaboração do Boletim de Ocorrência e emissão de medida protetiva, caso haja necessidade. Vale ressaltar que a vítima deverá entrar em uma fila de espera, pois a delegada atende a todas as mulheres do Estado de São Paulo.

Após feito a denúncia e o pedido de medida protetiva, o registro será encaminhado para a DDM, em Presidente Prudente, para dar continuidade ao caso.

Acolhimento

Em caso de risco iminente de morte, a Casa Abrigo de Presidente Prudente pode ser uma saída para a vítima e seus dependentes.

Após anos de união de forças do Ministério Público, Defensoria Pública, Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista (Ciop), Cordel Social, Unesp e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), a Casa Abrigo foi inaugurada em 6 de janeiro de 2021 e já abrigou muitas mulheres.

Conveniada com o Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista (Ciop), a Casa Abrigo agrega oito municípios da região: Presidente Prudente, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Martinópolis, Narandiba, Regente Feijó, Rancharia e Taciba e possui a capacidade de 20 vagas. 

Atualmente, o local é coordenado por Maria Helena Silvestre.

Como entrar para a Casa Abrigo?

Depois que a denúncia de violência doméstica é realizada, cabe ao Creas fazer uma entrevista com a vítima a fim de identificar qual o nível de risco ela se encontra.

Nomeado de Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (Frida), o teste é responsável por indicar o grau de perigo da situação. Quando identificada a necessidade de encaminhamento para a Casa Abrigo, a vaga é solicitada.

A norma da casa é que as mulheres hospedadas permaneçam entre um período de três a seis meses.

“A grande maioria tem ficado até os seis meses. Três meses é muito recente para a mudança da situação”, explica Maria Helena.

Entre os serviços oferecidos, destacam-se hotelaria, alimentação, vestuário e oficinas temáticas, acompanhamentos de saúde e educação, no caso de mulheres com filhos, além de assistência psicológica.

Caso a mulher e seus dependentes não possuam documentos, a casa também os disponibiliza através da regularização.

Durante a hospedagem na Casa Abrigo, a vítima trabalha, juntamente com a equipe, os planos para seu futuro.

“É feita toda uma articulação com a equipe de referência do território, porque agora ela não está mais no processo de violência. Ela está na proteção básica”, explicou a coordenadora.

Todo o processo de proteção básica é feito com antecedência à saída da mulher da casa assistencial. É trabalhada a possibilidade de identificar quais as habilidades da vítima para seu ingresso ou volta ao mercado de trabalho.

Maria Helena também pontuou que é necessário muita cautela para que o endereço da casa assistencial, que é extremamente sigiloso, não seja descoberto.

Por isso, uma vez que a mulher é restabelecida na sociedade, seu contato com a Casa Abrigo se encerra.

“A gente não pode e não deve ter mais contato. Por quê? Porque quando ela sai da Casa, ela vai ter contato com as pessoas através do celular dela. E o celular pode estar grampeado. A gente não pode se expor.”

Emocionada, a coordenadora descreveu como se sente ao trabalhar na Casa Abrigo: “Você está a todo momento lidando com a dor da mulher, com o sofrimento da mulher. Então, quer queira, quer não, nós temos a missão de aliviar tudo isso.”

Para ela, a tarefa de transmitir para a vítima a mensagem de que existe vida fora do ambiente de violência é difícil. Porém, ver essas mulheres criando asas e partindo para outra realidade é gratificante.

Após o período turbulento, existem mulheres que saem da Casa Abrigo mais firmes, dispostas a seguir em frente. 

Maria Helena cita casos de mulheres que ingressaram em uma faculdade, passaram em um concurso público e arrumaram um emprego, provando que ainda existe esperança após o sofrimento.

SIMON, Carolina Russo. Rompendo o silêncio e o anonimato: o feminicídio como fenômeno geográfico. 2024. 396p. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Presidente Prudente, 2023.

Luz ofuscada

Maria Victoria é mais uma das sobreviventes da violência doméstica (Foto: Lorrayne Rosseti)

Ciúmes e manipulação são palavras-chaves para os primeiros sinais de um relacionamento abusivo. Sabe qual é a sensação de se sentir um ser humano horrível, péssimo, alguém egoísta e insuportável de lidar? Infelizmente, a estudante Maria Victoria Camillo, mesmo sendo descrita por uma amiga da escola como alegre, animada e brincalhona, sabe.

“Esse tempo todo que eu fiquei com ele, eu achava que não tinha amigos, que ninguém ficava perto de mim porque gostava de mim, ficava por obrigação ou por interesse de alguma coisa. Tipo, interesse do quê?”

Durante o período de um ano e cinco meses de namoro, a maior parte do tempo foi marcado por ciúmes, manipulação, ameaças, agressões psicológicas, físicas e patrimoniais. O agressor possuía o combo completo de características abusivas. Algumas consequências das agressões sofridas perduram até hoje.

Depois que a máscara de boa pessoa do agressor caiu, vieram os ciúmes. Maria Victoria relata um fato marcante em sua memória sobre o início do comportamento suspeito do violentador. Durante um evento, o agressor começou a reclamar de sua roupa. Nesse momento, um alerta foi ligado em sua mente e a estudante se sentiu incomodada.

Juntamente com o comportamento ciumento, surgiram ameaças em tons de brincadeiras. “Era tipo assim: ‘Ah, eu sei onde sua mãe mora. Eu sei onde sua avó mora. Mas não tem problema, né?’”. Ao ouvir isso, Maria Victoria se assustava, pois tinha medo do agressor fazer mal às pessoas que amava, principalmente com sua avó, que era idosa.

“Eu nunca soube que aquilo era errado. Para mim era normal, porque era minha vida.” Nesse período, Maria Victoria ainda estava no final do ensino médio e conta que não possuía muito conhecimento sobre o assunto. “Na época, mesmo com a internet, não chegava até mim esse tipo de conteúdo”, conta. Além de o tema não ser muito divulgado na época, a estudante vivia presa no mundo do agressor, em uma bolha que ele a colocou. Maria Victoria sentia que não tinha vida. Ao acordar, 15 minutos depois o agressor já estava em sua casa. Tomava seu celular com a justificativa de que o dele não era bom e que o dela era melhor. Tirava todo seu dinheiro. A jovem não podia dormir, não tinha rotina, o agressor fazia tudo girar em torno dele. Nas palavras de Maria Victoria, ela se sentia presa e em cárcere privado.

No meio de tanta angústia, ainda tinham as agressões. Enquanto mexe e aperta as mãos em um ato de nervosismo, Maria Victoria relembra o primeiro gesto de agressão, um empurrão. “Você nunca vai apanhar de primeira. São gestos muito pequenos, é tipo um empurrão. Começam de forma muito discreta.” 

Desse dia em diante, tudo foi ficando pior, até o dia que a estudante precisou ir ao hospital.

Durante uma discussão, o agressor se mostrou violento e irado como nunca e agrediu a vítima até ela cair no chão, inconsciente. Maria Victoria não foi socorrida. Permaneceu jogada no chão até recuperar a consciência sozinha. Ao acordar, se deparou com o agressor na cama, tirando um cochilo. Ele a agrediu até perder a consciência e, sem se preocupar com nada, foi dormir tranquilamente.

Maria Victoria foi para casa com muita dor de cabeça e tontura, até não aguentar mais o mal-estar e pedir para um amigo do agressor que, inclusive o acobertou, a levá-la em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município.

As lembranças provocam incômodo em Maria Victoria (Foto: Júlia Guimarães)

Atendimento negligente

Durante a consulta médica, a profissional que atendeu Maria Victoria perguntou o que havia acontecido. “Eu discuti com uma amiga e nós duas acabamos nos agredindo”, respondeu a estudante, amedrontada.

“Tem certeza?”, foi a pergunta da médica. “Se você não fizer corpo de delito não vamos ter um relatório do que aconteceu e não posso te medicar,” completou a profissional.

Mas Maria Victoria se negou. Ela se negou a fazer o exame e se negou a relatar o que havia acontecido. Porque no decorrer de toda a consulta e de todo o diálogo o amigo do agressor estava bem ao seu lado. Em nenhum momento a médica pediu para falar a sós com a vítima. E Maria Victoria sabia o que aconteceria se entregasse o agressor ao lado de um homem que o acobertava. “Eu tinha medo de contar e alguém descobrir. Tinha medo do que ele faria. Não comigo, mas com a minha avó.”

A médica, então, dispensou a paciente sem medicá-la e examiná-la.

Qual o procedimento correto?

De acordo com a enfermeira e supervisora técnica da UPA do Jardim Guanabara, Laís Carrion, desde o momento da pré-consulta, conhecida como triagem, é realizado pelo enfermeiro um sistema de classificação de risco. Ao identificarem uma paciente suspeita de violência doméstica, o sistema de acolhimento é iniciado.

Mesmo que a vítima negue a agressão, os profissionais da saúde são orientados a afastar a vítima do agressor, a fim de que ela se sinta à vontade em relatar o ocorrido. Até mesmo podem pedir para o acompanhante se retirar. Caso a vítima ainda não se sinta confortável em relatar, ainda assim é feita uma notificação de agressão para a Vigilância Sanitária.

“Quando a vítima nega, a gente tem que respeitar isso, não pode obrigar nada. Deixamos as orientações e fazemos essa notificação baseada no que a gente viu, com os dados que a gente tem. E relata que tinha indícios, mas que a vítima nega.

Sequelas

As consequências da agressão perduraram por muito tempo. Durante um ano, Maria Victoria sentiu muitas dores na cabeça, local onde foi agredida. Farta de tanto mal estar, decidiu procurar um médico neurologista, que a diagnosticou com cefaleia crônica. A causa? A violência que a deixou desmaiada. Foi necessário realizar um tratamento médico durante dois anos para a doença ser curada, mas, até hoje, a dor reaparece de vez em quando para incomodar e lembrá-la desse triste episódio.

Libertação

Manipulada e acostumada com a situação ao ponto de normalizá-la, Maria Victoria seguiu esse relacionamento odioso. Além da relação abusiva, ainda estava inserida em mais uma teia conflitante, onde era colocada como a errada da situação até pela família do agressor, principalmente pela sogra, que, sendo extremamente religiosa, usava a justificativa de que a vítima, em suas palavras, sofria como forma de pagar seus pecados por possuir tatuagens no corpo. Ao presenciar o filho agredindo Maria Victoria, se mantinha estática e de sua boca não saía um “A”. Neste emaranhado de situações problemáticas, somavam-se mais camadas de abusos. Mas felizmente, graças à educação e informação, isso estava prestes a mudar.

Maria Victoria relembra o ponto de guinada em sua vida que contribuiu para a libertação do relacionamento (Foto: Lorrayne Rosseti)

O ponto de guinada na vida da estudante foi ao terminar o ensino médio e ingressar no curso superior de Direito. Assim como Mariane Palhares, a mente de Maria Victoria foi clareada na delegacia, onde conseguiu um estágio e começou a tomar conhecimento sobre o assunto com profissionais. “Eu conversava com um escrivão que me ajudou bastante. Todo o apoio que eu tive, foi essencial.”

“Se eu não tivesse informação, se eu não tivesse começado a faculdade de Direito, se eu não estivesse lá dentro da delegacia, talvez eu continuaria mais um tempo ali. Não porque eu queria, mas porque eu já estava convencida de que aquilo era normal. Você vai sendo manipulada ao ponto de achar que não vai sair dali.”

Foi, então, que enxergou a relação abusiva que sofria e decidiu articular maneiras de pôr um ponto final nessa história. “Eu comecei a ser insuportável para ele terminar comigo. E nessa de ser insuportável chegou o ponto dele falar: ‘Ah, quer terminar?’”

Maria Victoria respondeu que sim e foi embora.

A jovem descreve o término como forte sensação de libertação, como se tivesse em cárcere privado e saísse da prisão. “Sabe quando a presa descreve que gosta de sentir o ar puro depois que sai da cadeia? Foi exatamente isso.”

Após o término, o agressor, durante um longo tempo, enviava mensagens e ligava para Maria Victoria e sua avó incansavelmente. 

A estudante, nessa altura já informada e aconselhada por um profissional da delegacia, o induziu a confessar tudo que fez por mensagem e através de capturas de tela, obteve provas. Depois disso, o bloqueou. Mas não as usou, apenas comunicou ao pai do agressor o que poderia fazer caso o filho dele continuasse a incomodando.

Um novo começo

No decorrer de sua vida, Cida se depara com uma razão para seguir em frente e deixar os abusos no passado. Ao completar a maioridade, encontrou uma rede de apoio que trouxe força e motivação para partir rumo a um novo destino.

donas de si

Felizmente, hoje Mariane se reencontrou consigo mesma (Foto: Júlia Guimarães)

Sempre com um alto astral e transmitindo força ao relatar sua história, Mariane relata que passou meses se reorganizando e recalculando sua rota para seguir em frente. “Falei: vou buscar uma coisa que eu quero, que vai me dar prazer. Fui buscar outras coisas e fui para a terapia.”

Dia após dia, Mari foi absorvendo tudo que sofreu até transformar os acontecimentos em força interior. Hoje, compreende muito bem o que é o ciclo da violência.

Ao ser questionada sobre como aconselharia mulheres que estão passando por essa situação, Mari responde que primeiro diria para a vítima respirar fundo. 

“Pensa em algum lugar que você pode buscar uma rede de apoio. Se não é uma amiga, se não é a família, é uma delegacia, é um Cras, é uma igreja, algum lugar. Porque a vida é muito linda, tem muita gente para segurar a sua mão aqui. Muita gente para fazer uma rede muito linda e não deixar você mais”, finaliza.

“Quando eu saí disso, foi como se eu tivesse renascido. Eu comecei a olhar mais para mim, ter mais carinho comigo, mais empatia, mais paciência, mais resiliência.”

Recomeçar é um processo árduo e doloroso, mas transmitir a esperança e a chance de um renovação foi uma das saídas para Cida. Espirituosa apesar de tudo, sua força interior e a necessidade de ajudar o próximo falaram mais alto que a dor que carregava.

Assim como Cida, Ana sentiu sua vida ressurgir diante dos seus olhos como o amanhecer, que vai exibindo sua luz aos poucos até brilhar no céu por completo, Ana entendeu que não tinha culpa de nada do que aconteceu e se sentiu livre das amarras dessa cruel relação, mas, é claro, sem deixar de levar um aprendizado para sua vida.

Otimista e valente, a jovem carrega em seus traços o sorriso e a plenitude de quem se sente bem consigo mesma. Em seu caminhar tranquilo, mantém a cabeça sempre erguida.

“Quando eu vejo que alguém está fazendo algo parecido, eu percebo e corto a pessoa na hora, não tolero mais nada disso.”

Fortalecida, hoje Ana entende que não teve nenhuma parcela de culpa de ter sofrido violência psicológica (Lorrayne Rosseti)

O luto virou luta

Já Maria enxerga a violência como um momento onde tudo está escuro na vida da pessoa, como se tivesse uma lente tampando os olhos de quem a sofre. “Mas quando você supera essa parte, principalmente quando supera o estresse pós-traumático, as coisas vão melhorando e você a cada dia que passa consegue limpar essas lentes.”

Com lágrimas descendo pelas bochechas e a voz embargada, Maria ainda cita que quando de fato entendeu a violência sofrida, ela, enquanto educadora, sentiu que devia falar sobre isso com as pessoas e sempre dizer para nunca desistirem de procurar ajuda.

“O luto virou luta, porque é um sentimento de luto quando você passa por esse momento, você se sente uma pessoa morta em vários aspectos. Depois isso vai mudando, o tempo vai passando até virar luta.”

A Maria violentada e manipulada ficou para trás. Encontrou o caminho de sua própria vida, sem precisar depender do outro.

“Se eu quiser emagrecer ou engordar, quem precisa pegar essa rédea sou eu. Se a gente tem as próprias rédeas da nossa vida, dificilmente caímos em coisas assim.”

Enquanto enxugava as lágrimas, Maria pôs um discreto sorriso no rosto e falou sobre a importância de uma assistência psicológica e da rede de apoio depois de uma violência sofrida. “Acho que a principal rede de apoio é dentro do berço familiar. É quando você ensina as crianças a se defenderem.”

Amor próprio

Maria Victoria desenvolveu alguns traumas consequentes da relação. Ela sentiu durante um tempo, medo do agressor e desenvolveu ansiedade. Porém, a cada dia, semana, mês e estação, se cura cada vez mais através da terapia. O medo do agressor não existe mais. Maria Victoria nem sequer consegue enxergá-lo. Ele é alguém minúsculo para ela. Tão insignificante quanto um zero à esquerda. A única pessoa que enxerga agora é si mesma. A Maria Victoria alegre e divertida está de volta. Seu brilho resplandeceu novamente em sua face.

Maria Victoria reencontrou o amor por si mesma (Foto: Lorrayne Rosseti)

Como romper o ciclo da violência?

Após compreender a gravidade da situação vivida, Luciana aconselha que a vítima busque ajuda profissional e também uma rede de apoio para encerrar a relação. “Se é uma mulher que não tem rede de apoio, vai ser mais difícil, mas ela consegue.” A psicóloga ainda explica que se fortalecer emocionalmente é um grande passo para a libertação. Através do apoio de pessoas próximas e profissionais, aos poucos, a autoestima da mulher vai voltando ao que era antes. “É importante que a mulher acredite e saiba que é capaz”, explica.

Identidade recuperada

Luciana ainda fala sobre como a identidade da mulher pode ser recuperada. Depois de viver uma relação abusiva cedendo apenas às vontades do agressor, a mulher se sente perdida e começa a questionar: “Quem sou eu? Do que gosto?”. Nesse processo, é importante buscar ajuda psicológica e, às vezes, até psiquiátrica.

“Quando ela consegue sair da relação, esses traumas eles podem acompanhar no sentido de dificuldade de se relacionar novamente, baixa autoestima, dificuldade de se posicionar, dificuldade de falar, de se impor.”

Para um recomeço, é necessário que a mulher possua conhecimento sobre si mesma para saber qual caminho irá seguir. Os traumas vivenciados não serão apagados, mas, se tratados corretamente, podem ser amenizados e ressignificados. A cada sol que nasce, a mulher consegue lidar melhor com a dor que carrega. Aos poucos, a insegurança vai sendo apagada, ficando cada vez mais invisível, até que, um dia, se transforma em amor próprio. Esse amor próprio colore o coração que um dia esteve cinza. As páginas do cotidiano começam a ser reescritas sob uma nova perspectiva: a de um futuro próspero. A vida pode se tornar bela graças à força que habita em nós.

Onde procurar ajuda

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Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)

Em caso de registro de boletim de ocorrência, medidas preventivas e apuração de crimes de violência contra a mulher procure

Horário: segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Endereço: Rua José Dias Cintra, nº 149, Vila Ocidental - Telefone: (18) 3908-7660 ou disque 180
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Denúncias e Registros

Em caso de denúncias via telefone e registros de boletim de ocorrência aos domingos procure

Central de Flagrante da Delegacia Seccional (24h). Endereço: Rua Doutor Gurgel, nº 720, Centro - Telefone: (18) 3221-9300 Polícia Militar Telefone: 190
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Atendimentos de saúde Zona Norte

Em caso de necessidade de atendimento médico devido a lesão corporal procure

Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Jardim Guanabara (24h). Endereço: Rua Alvino Gomes Teixeira, n º 2760, Parque Jabaquara - Telefone: (18) 3905-4845
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Atendimentos de saúde Zona Sul

Em caso de necessidade de atendimento médico devido a lesão corporal procure

Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Ana Jacinta (24h). Endereço: Avenida José Zerial, nº 510, Conjunto Habitacional Ana Jacinta - Telefone: (18)3909-5000
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Instituto Maria da Penha

Em caso de busca de informações, orientações sobre violência contra a mulher

Acesse o site www.institutomariadapenha.org.br ou ligue 180
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Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Em caso de assistência jurídica gratuita procure a Defensoria Pública de Presidente Prudente

Horário: segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 16h. Endereço: Rua Francisco Goulart, nº 216, na Vila Nova - Telefone: (18)3222-9322
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Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Em caso de assistência jurídica procure um advogado na OAB

Horário: segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Endereço: Rua Doutor Gonçalvez Foz, nº 885, Jardim Marupiara - Telefone: (18) 3221-0641
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Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas)

Em caso de busca de assistência social e atendimento familiar por estar em risco e ter seus direitos violados procure o Creas

Horário: segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Endereço: Rua Major Felício Tarabay, nº 1167, Vila Nova - Telefone: (18) 3222-4696
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Associação o Amor é a Resposta

Em caso de vulnerabilidade social e necessidade de acolhimento procure a Associação Amor é a Resposta

Endereço: Caetés, nº 380, Jardim Esplanada - Telefone: (18) 3916-5892 Instagram: @oamorearespostapp

feito por

Caroline Barbosa de Araujo

Produção, Fotografia, Reportagem, Audiovisual e Diagramação

Júlia Guimarães Araujo

Editora de imagem, Produção, Fotografia, Reportagem e Audiovisual

Lorrayne Rosseti Rodrigues Pires

Editora de texto, Produção, Fotografia, Reportagem, Editora de imagem e Audiovisual

Prof. Dr. Fabiana Aline Alves

Supervisão e orientação .

Apoio

Fernando Santos
João Pedro Roque
Marlene Reverte

Identidade visual

Paulo Soares

Reportagem hipermídia sobre violência contra a mulher em Presidente Prudente (SP)

Essa reportagem é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado "Donas: uma reportagem hipermídia sobre a violência contra a mulher em Presidente Prudente-SP", produzido na Escola de Comunicação e Estratégias Digitais da Unoeste, no segundo semestre de 2024.

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